quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Há algo de estranho no closet


Ser gay é se sentir quase que a totalidade do tempo um extraterrestre. Dois mil anos de civilização ocidental judaico-cristã, mais uma colonização instrumento armado da Contra-reforma católica no país onde vivo ainda produzem uma sensação de estranhamento por parte da coletividade heterossexual em relação à população LGBT.
Vale lembrar que eu resido na pacata província.
Se um marciano já deve ser algo excepcional, eu nasci em Saturno.
Não consigo desenvolver um senso de pertencimento com a comunidade que me cerca. O que predomina é uma profunda necessidade de evasão. Ela marca a vida de um gay de província quando as fases de autonegação são superadas.
Isso ocorre, em menor medida, em relação ao local onde realizo meus estudos universitários.
Salvo o meu grupo de amigos eminentemente anarquistas e que compartilham comigo a sensação de não pertencer aquele lugar, todo o resto me é estranho.
Só o imparcial conhecimento acadêmico acaba por me interessar.
Frequentar uma festa da faculdade é comprovar empiricamente meus sentimentos.
Talvez por isso minha reputação é quase que sacrossanta. Isentei-me de vida social heterossexual.
Cursar uma graduação tradicional é ser introduzido em uma instituição altamente hierarquizada que dita o modo como você deve agir para conquistar o sucesso. O sucesso talvez seja aqui entendido como popularidade, mais tarde ele se chamará dinheiro. Prelúdio da chamada linha da vida imposta pelo mundo corporativo.
Enquanto que na faculdade você deve parecer despreocupado com os estudos, ir a todas as festas e se possível pertencer à Associação Atlética Acadêmica local, o mundo corporativo, como um bom antro de burgueses exige que você se case, tenha filhos, comece a frequentar à missa, à sinagoga ou a um culto protestante para ascender profissionalmente. Em resumo, se na faculdade o ideal é parecer pouco respeitável, em alguns anos você deve se tornar a pura expressão da moralidade. 
Como um gay é então inserido nesse mundo?
Duas correntes foram desenvolvidas para sanar esse problema:
A primeira delas, produto genuíno do pensamento narniano, defende a criação de uma máscara heteronormativa que facilitará a inserção do gay na cultura dominante. Atualmente é a mais utilizada. Por muitos anos se tratava de pensamento único.
A segunda, defendida por habitantes de Oz, enuncia o cultivo do gay pride associado a uma profunda busca pela excelência.
Isso significa forçar as portas do mundo heteronormativo por meio do trabalho. Uma espécie de ética protestante e o espírito do capitalismo versão gay. A idéia é conquistar posições por meio de indiscutível competência. E sair do armário.
Harvey Milk, nos anos 1970 dizia que era a saída de todos nós do armário que possibilitaria o arrefecimento do preconceito. Quando um homofóbico descobrisse que alguém de seu círculo íntimo era gay, talvez seus posicionamentos pudessem ser alterados. Se o coming out não diminui o preconceito, ao menos demonstra o fato de sermos uma fatia expressiva da população, o que cria para os governos a necessidade de formulação de políticas públicas voltadas a essa minoria. Como ignorar suas cartas constitucionais e os tratados de direitos humanos dos quais são signatários, tal como a pressão exercida pela representação política desse grupo?
A ética protestante e o espírito do capitalismo versão gay não é isenta de falhas no plano. É incrivelmente mais fácil se adequar à cultura dominante e seguir a linha da vida quando o fim é não lidar com o preconceito. 
A alguns gays, no entanto, é impossível a idéia de vida plena aliada à negação externa de sua natureza. Ser livre é necessariamente trilhar o caminho mais tortuoso.

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