sábado, 27 de novembro de 2010

De vita Caesarum




Resolvi voltar a escrever.
Já se passaram dez minutos e a única frase que escrevi é Resolvi voltar a escrever. 
A idéia é começar despretensiosamente e deixar com que as Musas guiem minhas mãos.
Calíope, eloquência.
Clio, criatividade.
Erato, poesia.
Melpômene, tragédia.
Tália, comédia.
As demais não me servem. Não sou músico. Não sou astrônomo (eu prefiro astrónomo). Não sei dançar, embora saiba rebolar. Não gosto de música sacra.
É hora de deixar para lá essa invocação e começar a de fato escrever.
Esse talvez tenha sido o ano mais movimentado da minha vida. Não estou exagerando. Quando se vive a maior parte da existência na província não se pode contar com grandes reviravoltas e lances de aventura. Ainda há charretes andando nas ruas.
A universidade me mudou. Estou sendo provavelmente um tanto exagerado, afinal ela é também na província. Devo salientar que para quem nasceu abaixo do trópico de capricórnio, o calor excessivo não é nada agradável. Chego a acreditar naquelas teorias ultrapassadas a respeito da relação entre indolência e altas temperaturas.
A questão fundamental é que a despeito do calor e de todas as vicissitudes inerentes a fixar residência em terras tão selvagens, eu acabei por mudar.
Não me livrei do ranço familiar que está impregnado na minha essência. Ainda não lido com falta de pontualidade. Não misturo doce com salgado. Não como chuchu. Não transo no primeiro encontro. Não lido bem com não ter o controle da situação. Não vou a um lugar sem ser convidado. Não combino cores. Não uso cinto preto com sapato preto. Não uso tecidos sintéticos. Não vou desarrumado a eventos sociais. Não deixo de tomar banho iracemicamente e religiosamente três vezes ao dia.
Como você pode perceber, caro leitor, eu tenho uma série de mandamentos incoerentes gravados em pedra afixados no equivalente ao foro romano da minha alma. Eu diria que Deus os  gravou em pedra no meu Monte Sinai, mas é uma metáfora por demais bíblica.
Meus amigos me ajudaram com isso. Hoje sou mais flexível do que era. Tenho ido de chinelos mais de uma vez à universidade. Filho de quem sou, neto de quem sou, sangue do sangue que sou, isso é praticamente uma heresia.
Alguma coisa me angustia enquanto escrevo. Será fome?
Se você não sabe, embora eu tenha certeza que saiba afinal só há uma leitora assídua desse blog.
Um interfone tocou alto. Perdi completamente a concentração.
Se você não sabe, e eu o consideraria extremamente obtuso em não saber afinal o conjunto da obra já parece dizer isso, eu sou gay. Guei. Prefiro viado, com "i" ao invés de "e". Não sou o animal, sou homossexual. É estranhíssimo escrever homossexual, eu me sinto numa daquelas aulas de taxonomia.
A minha sexualidade é praticamente o centro fundador da minha personalidade. Eu provavelmente não seria a mesma pessoa se não fosse gay. Eu seria menos desconfiado, menos rude, menos inseguro, menos engraçado, menos bem-vestido, menos inteligente (depois de uma análise criteriosa da minha árvore genealógica, acabei por concluir que todos os homens heterossexuais da minha família são completamente obtusos).
Embora as pessoas achem o contrário, eu me apaixono freqüentemente pelo vulgar. A vulgaridade exerce sobre mim um fascínio que faz com que eu me pergunte às vezes se não se trata de um desejo oculto por se tornar vulgar. A verdade é que eu não me arrisco pelos tortuosos caminhos do comum, tenho medo, ou uma pequena parcela de culpa católica. O fato é que toda vez que sou vulgar, algo de ruim acontece. São as Parcas vibrando o meu fio, dizendo volte para onde estava, meu filho!
Tem sido dito que eu sou um gay que não gosta de homens. Eu prefiro acreditar que eu sou um gay sem muitas perspectivas.
Por favor não me encare como uma mulher solteira de 50 anos, impregnada de melancolia. Eu estou em um daqueles interregnos... É uma pax romana íntima.
Eu quis até agora o silêncio. Ser gay para mim é em certas horas estar completamente sozinho. Vazio.
Mas algo, desde anteontem, me mudou. De novo.
São as invasões bárbaras. Adeus, Romulus Augustulus. Eu quero é ser Átila, o Huno.
Decidi parar com o canto gregoriano dentro de mim. Expulsei das minhas entranhas todos aqueles monges vestidos de negro a repetir sicut erat in principio et nunc et semper et in saecula saeculorum.
Pense nisso como um germe de novas perspectivas. A refundação.
Preciso estudar. Preciso fumar.
Estou com vontade de comer ora-pro-nobis.
Estou com vontade de viver.  
Escrever...É o primeiro passo.

Nenhum comentário: