domingo, 13 de fevereiro de 2011

O encontro às cegas


Era gelado e tinha gosto de mármore.

A despeito de grande parte da comunidade gay não ser adepta do que os estadunidenses chamam de date, ou para nós, encontro, devemos concordar de que se trata de uma modalidade bastante viável para se conhecer pretendentes.
Uma de suas subespécies é o denominado encontro às cegas, e que ocorre quando duas pessoas pessoas não se conhecem previamente, ou tem uma compreensão ainda superficial do outro. Normalmente, amigos casadoiros em comum cumprem o papel de tentar unir os corações, mas com o advento da internet os intermediários podem ser suprimidos.
Espectadores de Sex and the City desde a tenra idade como eu, devem saber que encontros às cegas podem ser catastróficos. Não me lembro de Carrie se dando bem em nenhum deles.
Aceitei um convite para um encontro às cegas. Tinha acabado de voltar para a província onde realizo meus estudos universitários, tinha a noite livre. Nada a perder.
Chances de catástrofes?
Tudo começou com Black Swan. Direção de Darren Aronofsky. Natalie Portman, Vincent Cassel e Mila Kunis  no elenco. O Lago dos Cisnes de Pyotr Ilyich Tchaikovsky permeando toda a narrativa.
Primeira anotação mental: vá assistir um filme ruim.
Um braço roça junto ao meu braço. Um rosto roça junto ao meu rosto.
Eu espero romantismo. Distancio levemente meu corpo da poltrona esperando que um braço cinja meus ombros.
Enganei-me. Disfarço e volto à posição original.
Tenho que lidar com comentários desnecessários.
Segunda anotação mental: não vá com alguém ao cinema que converse durante o filme.
Ele me beija. Eu sou pego desprevenido. Sinto-me um adolescente que não sabe beijar.
Terceira anotação mental: esteja sempre preparado para a lascívia.
Quero assistir ao filme. Ele não quer.
Não quero me atracar com alguém no cinema.
Quarta anotação mental:se estiver ruim, diga que vai ao banheiro e não volte mais. Breakfast at Tiffany's deve ensinar alguma coisa a você.
Termina o filme. Estamos distantes um do outro.
Ele quer ir jantar em um fast-food. Sinto minha dignidade se esvaindo.
Decido ir junto. Tento salvar o encontro. Talvez eu esteja sendo pudico demais.
Quatro nuggets e um sanduíche com a estranha combinação de frango com bacon depois, nada acontece.
Fique aqui anotado para esclarecimento de que fui eu quem pediu os nuggets.
Ele não fala.
Eu ensaio falar. Nenhum assunto germina.
Ele decide frustrar a segunda parte do encontro, tão decepcionado quanto eu acerca do andamento de nossas relações.
Eu quero conhecê-lo. Ele quer conhecer meus lábios. Só meus lábios. De preferência sob a proteção da escuridão.
São vinte e duas horas. Chego em minha casa às vinte e duas e trinta.
Tiro minhas roupas. Entro no banho.
Vocifero por telefone com meu amigo que intermediou o encontro.
Visto-me.
Bebo duas doses de conhaque.
Fumo três cigarros.
Saio pela noite.
Danço até as quatro da manhã.
Durmo até o meio dia.
Quinta anotação mental: não tenha encontros às cegas, eles podem ser catastróficos; e vá assistir Sex and the City.

3 comentários:

O intermediador disse...

Tinha gosto de Nárnia.
Como diz o velho ditado: eu avisei.
Era como jogar pérolas aos porcos.

Você-Sabe-Quem disse...

hahahahaha uma palavra:

PU-RI-TA-NO

Ricardo disse...

É, eu sei que sou.
HAHAHA