quarta-feira, 30 de março de 2011

Complexo de Penélope


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Ela, um triênio, desmanchava à noite
À luz da lâmpada o lavor diurno;
(Odisseia, II, 76-77)


Criei um namorado imaginário.
Feito criança solitária filho único que acredita piamente estar brincando com alguém que ninguém consegue enxergar.
Nunca tive amigos imaginários. Sempre fui analítico demais para isso.
Invejava minha irmã, ela tinha três deles. E forçava a babá colocar seus pratos à mesa na hora do almoço.
Aos poucos, eles foram desaparecendo.
Meu namorado imaginário é de carne e osso.
Nós fazíamos tudo juntos.
Projetei em segredo minhas pretensões folhetinescas. Cozia e descozia a mortalha de Penélope.
Imergi em um mar de confusão.
O oxigênio acabou.
Ulisses não voltará à Ítaca.
Penélope-viúva ou se casa com um pretendente qualquer, ou se transforma em Elizabeth I.
Ela quer tempo para pensar.
Quer ser livre
O namorado imaginário deveria desaparecer. Mas como além apenas idéia existe também seu correspondente no mundo sensível, não há muito o que ser feito além de esperar que a comparação entre este e sua forma ideal acabe por produzir um certo desgaste.
Penélope, largue essa mortalha, teça a vela de uma nau. Vá conhecer o mundo.

2 comentários:

Filipe Mateus disse...

Adoro seus textos, sem duvidas é um do melhores blogs que já li !!! Parabéns.

Ricardo disse...

Obrigado;D