terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Broken hearts



Algumas crianças são acometidas pelo desejo de colecionar algo. Em certos casos, ele se prolonga pela vida toda.
Há colecionadores de arte, de livros, de reproduções de elefantes.
Eu coleciono corações partidos. Há um plus: descobri hoje.
Não sei exatamente quando tudo isso começou. Creio que quando meu coração foi partido pela primeira vez, de verdade. Desde então venho reproduzindo o modus operandi do meu criador.
Antes de você tirar conclusões precipitadas, após uma rigorosa investigação de minha vida amorosa, com direito a uma listagem, concluí que apenas um, ou dois exemplares são incorporados à minha coleção todo ano. E normalmente na mesma estação.
Provavelmente o verão tem algo a ver com isso. Os deuses devem ficar ouriçados para que seu entretenimento favorito, a humanidade, agite-se nesse período em que eles devem aproveitar dos prazeres oriundos das altas temperaturas.
Regularmente, entre o final de dezembro e as primeiras semanas de janeiro do ano seguinte, quando não estou comprometido, eu conheço alguém. Ele me atrai fisicamente, mas tem uma beleza exótica. Sua conversa me encanta e o ápice se dá quando compartilhamos nossas referências literárias, musicais, cinematográficas. Artísticas em geral. Embora eu deva confessar que em termos de artes plásticas nenhum homem tenha me impressionado até agora. Acho que é culpa da província e sua escassez. Ou do quanto eu espero de um homem.
Cace um marido, devem sussurrar ao pé do ouvido meus ancestrais, que mesmo não aprovando a sodomia, são ávidos pela continuação da dinastia de algum modo.
Esqueça a epifania. Voltemos ao cerne da questão.
Eu o conheço. E me apaixono por ele. Apaixono-me tão facilmente quanto desapaixono. Paixão aqui deve ser entendida como um conglomerado de reações psíquico-biológicas que encadeiam uma atração irresistível de vida curta.
Ele tem algumas imperfeições. Relevo. Tenho consciência de que talvez eu seja exigente demais.
Ele se apaixona por mim, de um modo mais profundo do que eu em relação a ele.
É a voz dos ancestrais novamente. É como em Doutor Jivago, quando as matronas russas aconselham à Lara manter sua vela acima a de Pacha durante a cerimônia do casamento. É você quem deve governar o lar.
Durante um mês, eu alimento a ilusão de que ele pode ser a pessoa certa, mesmo incomodado por uma estranha irritação decorrente da desproporção do que sente um pelo outro. Ao mesmo tempo, ele me ama. Talvez queira casar comigo.
No trigésimo dia. Como se eu recebesse ordens diretas de uma certa fada-madrinha para sair à francesa pois o encanto está para perder o prazo de validade, desapareço e deixo um coração partido. 
Continuar aquela relação se torna simplesmente insuportável a mim. Eu, em um insight, me dou conta de que ela estava fadada ao fracasso.
Já desapareci à moda do meu maker, mas o excesso de humanidade às vezes produz uma certa culpa católica, então crio uma maneira de ele me odiar. Feito, eu me liberto. E ninguém vive feliz para sempre. Não se trata de um conto-de-fadas.
Esse ano algo mudou. Eu encontrei o destinado a ter seu coração partido por mim. Decidi deixá-lo ir, sem criar laços.
Corações são partidos, ocasionalmente; mas não quero me tornar uma arma de destruição em massa.

Um comentário:

Ricardo disse...

fic.ção sf 1. ato ou efeito de fingir. 2. coisa imaginária; fantasia, criação. [Anton., nesta acepç.: realidade] 3. Fig. Literatura de ficção (3).