domingo, 30 de janeiro de 2011

Do Gay Pride



Ou  "Sejamos eternamente orgulhosos"

Como que Gil Vicente diante do mote mais vale um asno que me leve que um cavalo que me derrube estou eu em relação ao Gay Pride. A diferença fundamental é que estou a desafiar eu mesmo, além de me faltar a genialidade do  teatrólogo português. Ele provavelmente tiraria isso de letra.
Há semanas me propus a escrever acerca do Gay Pride. Algo tem me incomodado no trato com alguns colegas gays. Decidi então discorrer sobre o que eu acho ingrediente fundamental para uma expressão completa em ser gay: seu orgulho, sua dignidade.
Parece-me que é mais fácil na província o desencontro entre o gay e sua cultura. Não vou chamar de divórcio, afinal em muitos casos não há um casamento que termina em fracasso. Estou falando em um total desconhecimento por parte do gay provinciano dos usos e costumes, da linguagem e da produção cultural da minoria a que pertence. Isso gera, comumente, por parte de tais gays um forte preconceito em relação ao que eles denominam meio gls.
Não querem ser tratados como gays, ser identificados como tais. Pregam o culto à masculinidade, à heteronormatividade pela heteronormatividade. Eu os chamo de parnasianismo tardio versão gay. Afinal é a forma pela forma que conta. Apenas a embalagem, o estereótipo, a externalização dos modos de agir.
Entendo perfeitamente a existência de gays masculinos. Não aceito, no entanto, a ambição totalitária de alguns em padronizar nosso comportamento, tornando-nos mais aceitáveis, palatáveis, à cultura heterossexual dominante. Creio como básica aceitação de nossa diversidade interna. Somos uma cultura complexa.
Nossos parnasianos provincianos além das reivindicações supracitadas, querem se relacionar com homens, de preferência na sombra. Frequentam ambientes, insistentemente denominados gls, características cópias homossexualizadas de um ambiente heterossexual. Podemos ser como eles, somos normais, nos aceitem porque somos brandos.
Jogam então os afeminados, os travestis, as drag queens no lugar que lhes cabe: a sarjeta.
Só há um erro no plano: a multidão de conservadores ainda os considera doentes, pervertidos, endemoniados. O torto que deve ser consertado.
E na sarjeta todos se encontram. Somos todos iguais.
Fomos encurralados em um gueto. Gostemos disso ou não. Lá desenvolvemos nossa cultura, e nos realizamos enquanto humanos. Há teóricos que acreditam na denominada Queer Nation: somos uma nação em intersecção com outras nações. Um povo, com identidade própria, idioleto específico e que produz sua cultura. Há uma ligação entre o indivíduo gay e o conjunto de todos os gays que se corporifica na cultura.
Chamamos esse complexo de relações entre o gay  e sua cultura de Gay Pride. Trata-se de, ao mesmo tempo, da identidade gay, combinada com o orgulho em ser gay e sua ânsia por dignidade.
É ele que desde Stonewall nos move a lutar por nossos direitos civis. 
Um de nós é morto a cada dois dias no Brasil. E temos a maior parada gay do planeta.
Somos enforcados no Irã. Na Arábia Saudita. E em vários países africanos.
Vivemos sob o frequente ataque dos grupos religiosos conservadores. Eu chamo isso de leitura excessiva e seletiva do Velho Testamento da Bíblia. Se cada conservador vivesse em perfeita observância do Levítico, poderia considerá-los autênticos. Escolher trechos da literatura mitológica judaico-cristã para segregar o grupo de pessoas que lhe incomoda, e ainda se dizer Ocidental no sentido mais puro é um desrespeito às bases da criação de nossas sociedades. O sangue de nossos patriarcas na Bastilha está sendo desperdiçado.
E que todo gay não se esqueça de nossa própria Bastilha e de nossa data nacional. 28 de junho deve honrada. E nossas sans culottes, as Drag Queens, homenageadas com a coroa que lhes cabe. Ter orgulho é não ter medo.

  

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