sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Vacaciones II



Quando eu disse que as férias eram um mítico espaço de tempo no qual você acredita ser capaz de cumprir uma série de tarefas mirabolantes, mera tentativa de recuperar o que foi procrastinado, estava me referindo as de inverno. Quatro semanas com todo o horário livre após um semestre exaustivo acordam o sistemático que vive dentro de mim.
Isso não ocorre com as férias de verão. É tempo demais, e o calor e as frequentes chuvas me deixam um tanto leniente, confesso.
Não escrevo há semanas. Coleciono fotos que quero compartilhar, mas nunca tenho ânimo para postá-las.
Isso não significa que eu tenho feito absolutamente nada nas últimas semanas. Elas foram bastante movimentadas.
Como membro de uma legítima família mediterrânea, empanturrei-me de comida durante as festas de final de ano. Mesmo não acreditando nem um pouquinho no Natal, ou no Santa Claus da Coca-cola, resolvi homenagear o recém-nascido e não desprezar as receitas ancestrais servidas à mesa.
Não se come peru em casa, considera-se um despropósito.
A culpa católica, como sempre sorrateira, acabou por se instalar na minha consciência após repetidas práticas do pecado da gula. Fiz dieta. Estou em dieta.
Acho que vou aproveitar essa minha onda religiosa e experimentar uma dieta na quaresma.
Resolvi assistir todos os filmes clássicos que eu considerava fundamentais. E rever alguns.
Esqueci que a televisão tinha cores por um tempo.
Aprendi com as mocinhas.
Fiz pós-graduação com as megeras. Vivien Leigh e Bette Davis foram minhas orientadoras.
Especializei-me em canastrice com Humphrey Bogart. E em elegância com Audrey Hepburn.
Também saí, fumei, flertei. 
Flertar é antiquado, mas não consigo encontrar palavra melhor. Paquerar é deveras anos 1980 para mim. É como estar em Grease.
Também tentei me bronzear, sem sucesso.
Visitei uma pequena cidade de província nos arredores da minha já provinciana cidade de veraneio habitual. Eu e minhas duas melhores amigas acudimos então ao evento do ano, um baile, isso mesmo. Um baile! Nesse caso o do último Estado a ingressar na federação estadunidense. Com direito a colares de flores multicores fabricadas de poliéster.
Acho que seja perda de tempo descrever cada detalhe das visões grotescas que tive em tão ditoso evento. Não entrarei em detalhes quanto às experiências táteis e auditivas. Desnecessário.
Diverti-me, é verdade.
Acabei às portas de nossa hospedaria, a fumar na calçada com alguns dos meus convivas. Dentre eles um renomado habitante das gélidas planícies de Nárnia. Perdi a fluência no idioma, se alguém cultivou a esperança de que eu pudesse resgatá-lo. Isso é tarefa para pessoas mais fortes do que eu.
Voltei para casa com uma certa sede de literatura barata. Não consegui. A intolerância que desenvolvi nos últimos anos me impediu de continuar. Resolvi ler então os delírios de Don Quijote.
Comecei a ler um de Saramago. Leio vários livros ao mesmo tempo. Um para cada parte do dia. Enjôo fácil. Plausível, considerando que eu sou geminiano. Quem diria. A astrologia explica minha insanidade.
Boas notícias chegam por e-mail. Acho que vou virar ativista, de novo.
São três da manhã. Só escuto os roncos de alguém. Pode ser o vizinho. Pode ser meu pai. Nesse silêncio, tudo vira eco.
Minha mãe quebrou a cabeça de sua réplica do David, de Michelangelo. E os braços de seu souvenir do Cristo Redentor. Parecem estátuas gregas conspurcadas por algum turco otomano. Uma heresia.
Quase quebrei um vaso marajoara. Estou desastrado. Sou ou estou?
É tarde, vou dormir.

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